quarta-feira, 18 de julho de 2018

A falta de rigor informativo da RTP sobre o tema da eutanásia foi denunciado por José Ribeiro e Castro


No passado dia 22 de Abril o Telejornal da noite da RTP1 emitiu uma peça informativa sobre eutanásia na Bélgica, onde  refere que a Bélgica é um dos poucos países europeus onde a morte assistida está regulada, mesmo para menores de idade. "Basta revê-la para verificar de imediato que a peça transmite uma visão unilateral, claramente enviesada e sem qualquer contraditório, sobre uma matéria muito sensível. A RTP sabe bem que esta matéria é muito divisora das sociedades, como a própria RTP1 havia dado conta numa outra peça, emitida há dois anos. Em vários países a morte assistida é legal. No caso da Bélgica, a polémica voltou a instalar-se devido a uma legislação que é considerada, por muitos, demasiado permissiva. Esta outra peça de 2016 não foi perfeita, não ouviu os dois lados. Mas, ao menos, deu nota da polémica", segundo José Ribeiro e Castro, advogado, que como telespectador enviou esta nota para apreciação do Provedor do telespectador da RTP. Esta reportagem foi transmitida numa altura de debate e deliberações no plano legislativo. Neste contexto, a emissão de peças manifestamente parciais e enviesadas, o que assume particular gravidade, deve ser entendida como acto de propaganda, considera o advogado. O ponto n.º 1 do Novo Código Deontológico dos jornalistas, referendado pela classe em 2017, dispõe: «O jornalista deve relatar os factos com rigor e exatidão e interpretá-los com honestidade. Os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso. A distinção entre notícia e opinião deve ficar bem clara aos olhos do público.» Para José Ribeiro e Castro o Código não foi observado, como cumpria. Entre outras normas legais, cumpre à RTP «assegurar a difusão de uma informação que respeite o pluralismo, o rigor e a isenção.» - Lei n.º 27/2007, de 30 de Julho, Lei da Televisão , artigo 34º, n.º 2, alínea b). Embora esta norma se refira ao conjunto da actividade informativa e não a cada peça ou serviço individualmente, marca um espírito e uma linha que estão traduzidos noutras normas legais, estatutárias e deontológicas e devem ser sempre tomados na devida conta. A notícia de 22 de Abril não respeitou o pluralismo, nem a isenção e, por conseguinte, também não observou o rigor. Esta matéria da eutanásia, ao contrário do que a peça da RTP em 22 de Abril afirma, mantém-se controversa na Bélgica e na vizinha Holanda, onde a questão é um pouco mais antiga que na Bélgica. Se quisesse servir os seus deveres de pluralismo, rigor e isenção a RTP teve excelente oportunidade para o fazer, se tivesse coberto o importante colóquio internacional "Eutanásia e Cultura do Cuidado", que decorreu na Universidade Católica, em Lisboa, no passado dia 23 de Abril. Além de especialistas portugueses, houve, aqui, a participação destacada do Prof. Theo Boer, holandês, que chegou a participar nos conselhos de administração da eutanásia, mas que se afastou por um conjunto de factos sobre que depõe com rigor e conhecimento directo.
A RTP, deixou de fora a oportunidade de reportar o outro lado. As realidades belga e holandesa são muito próximas. José Ribeiro e Castro pediu ao Provedor do telespectador da RTP, Jorge Wemans, que o esclarecimento destes factos pelos modos adequados, no âmbito institucional e funcional da RTP. A peça da autoria do jornalista Duarte Valente sobre a eutanásia na Bélgica emitida no Telejornal de dia 22 de Abril de 2018 foi objecto de análise pelo Provedor do telespectador da RTP. Estas críticas chegaram ao Conselho de Opinião que as remeteu, a 9 de maio, ao Provedor do telespetador. As críticas do telespetador acusavam o trabalho de Duarte Valente de transmitir “uma visão unilateral, claramente enviesada e sem qualquer contraditório”  e, assim, não respeitar “o pluralismo, nem a isenção e, por conseguinte, também não observar o rigor” obrigatório na prática jornalística e em particular no Serviço Público de Televisão. Às questões formuladas pelo Provedor, o jornalista Duarte Valente respondeu da seguinte forma: "o objetivo da reportagem não era o de descrever o debate em torno da eutanásia na Bélgica,  mas contextualizar o processo que levou à criação de legislação reguladora deste procedimento médico. Daí que se tenha optado por ouvir o médico que foi pioneiro no país, um médico que assiste pacientes com doenças terminais e um sociólogo que estuda estes casos. Na reportagem começa por dizer-se que o debate público e político demorou quase 3 décadas até se chegar a um acordo sobre o texto legislativo. Os intervenientes são claros ao dizer que a eutanásia é um recurso acessível aos doentes, mas não é o único, fazendo parte de um conjunto que inclui os cuidados paliativos. Sobre a questão levantada sobre a reportagem ter sido “aceite como estando pronta a ser emitida”, permita-me referir que esta reportagem esteve longos meses (quase 1 ano) em Lisboa à espera de emissão, o que permitiria uma análise detalhada de qualquer dos responsáveis editoriais. Nunca me foi colocada qualquer questão relacionada com os pontos levantados pelo Provedor.”
O Provedor conclui que a reportagem alvo de crítica situa toda a controvérsia a propósito da eutanásia exclusivamente no período anterior à aprovação da legislação que a legalizou (2004). Depois dessa data as divisões sobre a matéria que atravessam a sociedade belga são subestimadas e reduzidas à afirmação de que a eutanásia é “genericamente bem aceite” tendo apenas este quase consenso sido abalado pela polémica sobre o recente alargamento da legalização do pedido de morte assistida a menores de idade (2014). Ora tal não é factualmente verdadeiro, como se pode verificar através de simples pesquisa na web. Movimentos, tomadas de posição de várias origens e quadrantes e manifestos contra a eutanásia estão nela largamente documentadas. Tal como críticas a eventuais abusos na aplicação da legislação; Por outro lado, ao longo da referida reportagem não é recolhida qualquer opinião contrária à legislação despenalizadora da eutanásia, apenas se dá voz aos seus defensores.
O Provedor do telespetador reconheceu o fundamento à queixa do telespetador e qualifica a reportagem como não conforme à observância de todos os princípios deontológicos consignados no Código Deontológico dos Jornalistas Portugueses, nomeadamente no que se refere à obrigação de “relatar os factos com rigor e exatidão” e “Os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso” [Art.1º].
Jorge Wemans concluiu que a peça em causa transmitiu uma imagem enviesada e distorcida quanto à relação da sociedade belga com a prática da eutanásia no seu país. O que, atendendo ao momento específico em que foi emitida, aumenta a gravidade da sua inclusão no principal jornal da RTP1. O rigor, a inclusão de contraditório e a isenção que devem manifestar-se em todas as peças informativas, são, se é possível, ainda mais exigíveis em matérias sobre questões e temas polémicos. O Provedor, ainda que não tendo qualquer razão para crer que tenha existido dolo neste caso concreto, não pode deixar de recomendar à Direção de Informação uma atenção acrescida à verificação cuidadosa daqueles pressupostos do bom jornalismo em todos os trabalhos sobre assuntos objeto de controvérsia, disse Jorge Wemans, Provedor do telespetador da RTP.
Aliás, esta falta de rigor na informação,  da apresentação do contraditório, foi geral no debate da eutanásia. De realçar ainda que na semana da votação dos projectos de lei na AR teve mais destaque nos media o tema da crise interna do Sporting Clube de Portugal, do que um tema tão importante para a vida dos portugueses, como a eutanásia e o fim de vida.

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