No passado dia 22 de
Abril o Telejornal da noite da RTP1 emitiu uma peça
informativa sobre eutanásia na Bélgica, onde refere que a Bélgica é um dos
poucos países europeus onde a morte assistida está regulada, mesmo
para menores de idade. "Basta revê-la para
verificar de imediato que a peça transmite uma visão unilateral,
claramente enviesada e sem qualquer contraditório, sobre uma matéria
muito sensível. A RTP sabe bem que esta
matéria é muito divisora das sociedades, como a própria RTP1 havia
dado conta numa outra peça, emitida há dois anos. Em vários países a
morte assistida é legal. No caso da Bélgica, a polémica voltou a
instalar-se devido a uma legislação que é considerada, por
muitos, demasiado permissiva. Esta outra peça de 2016
não foi perfeita, não ouviu os dois lados. Mas, ao menos, deu nota
da polémica", segundo José Ribeiro e Castro, advogado, que como telespectador enviou esta nota para apreciação do Provedor do telespectador da RTP. Esta reportagem foi transmitida numa altura de debate e
deliberações no plano legislativo. Neste contexto, a emissão de
peças manifestamente parciais e enviesadas, o que assume particular
gravidade, deve ser entendida como acto de propaganda, considera o advogado. O ponto n.º 1 do Novo
Código Deontológico dos jornalistas, referendado pela classe em
2017, dispõe: «O jornalista deve relatar os factos com rigor e
exatidão e interpretá-los com honestidade. Os factos devem ser
comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso. A
distinção entre notícia e opinião deve ficar bem clara aos olhos
do público.» Para José Ribeiro e Castro o Código não foi
observado, como cumpria. Entre outras normas
legais, cumpre à RTP «assegurar a difusão de uma informação que
respeite o pluralismo, o rigor e a isenção.» - Lei n.º 27/2007,
de 30 de Julho, Lei da Televisão , artigo 34º, n.º 2, alínea b).
Embora esta norma se refira ao conjunto da actividade informativa e
não a cada peça ou serviço individualmente, marca um espírito e
uma linha que estão traduzidos noutras normas legais, estatutárias
e deontológicas e devem ser sempre tomados na devida conta. A notícia de 22 de
Abril não respeitou o pluralismo, nem a isenção e, por
conseguinte, também não observou o rigor. Esta matéria da
eutanásia, ao contrário do que a peça da RTP em 22 de Abril
afirma, mantém-se controversa na Bélgica e na vizinha Holanda, onde
a questão é um pouco mais antiga que na Bélgica. Se quisesse servir os
seus deveres de pluralismo, rigor e isenção a RTP teve excelente
oportunidade para o fazer, se tivesse coberto o importante colóquio
internacional "Eutanásia e Cultura do Cuidado", que
decorreu na Universidade Católica, em Lisboa, no passado dia 23 de
Abril. Além de especialistas portugueses, houve, aqui, a
participação destacada do Prof. Theo Boer, holandês, que chegou a
participar nos conselhos de administração da eutanásia, mas que se
afastou por um conjunto de factos sobre que depõe com rigor e
conhecimento directo.
A RTP, deixou de fora a oportunidade de reportar o
outro lado. As realidades belga e holandesa são muito próximas. José Ribeiro e Castro
pediu ao Provedor do telespectador da RTP, Jorge Wemans, que o
esclarecimento destes factos pelos modos adequados, no âmbito
institucional e funcional da RTP. A peça da autoria do
jornalista Duarte Valente sobre a eutanásia na Bélgica emitida no Telejornal de dia 22 de Abril de 2018 foi objecto de análise pelo Provedor do telespectador
da RTP. Estas críticas chegaram
ao Conselho de Opinião que as remeteu, a 9 de maio, ao Provedor do telespetador. As críticas do
telespetador acusavam o trabalho de Duarte Valente de transmitir “uma
visão unilateral, claramente
enviesada e sem qualquer contraditório” e, assim,
não respeitar “o pluralismo, nem a isenção e, por conseguinte,
também não observar o rigor”
obrigatório na prática jornalística e em particular no Serviço
Público de Televisão. Às questões formuladas
pelo Provedor, o jornalista Duarte Valente respondeu da seguinte forma: "o objetivo da reportagem
não era o de descrever o debate em torno da eutanásia na Bélgica, mas contextualizar o processo que levou à criação de legislação
reguladora deste procedimento médico. Daí que se tenha optado por
ouvir o médico que foi pioneiro no país, um médico que assiste
pacientes com doenças terminais e um sociólogo que estuda estes
casos. Na reportagem começa por dizer-se que o debate público e
político demorou quase 3 décadas até se chegar a um acordo sobre o
texto legislativo. Os intervenientes são claros ao dizer que a
eutanásia é um recurso acessível aos doentes, mas não é o único,
fazendo parte de um conjunto que inclui os cuidados paliativos. Sobre a questão
levantada sobre a reportagem ter sido “aceite como estando pronta a
ser emitida”, permita-me referir que esta reportagem esteve longos
meses (quase 1 ano) em Lisboa à espera de emissão, o que permitiria
uma análise detalhada de qualquer dos responsáveis editoriais.
Nunca me foi colocada qualquer questão relacionada com os pontos
levantados pelo Provedor.”
O Provedor conclui que a reportagem alvo de
crítica situa toda a controvérsia a propósito da eutanásia
exclusivamente no período anterior à aprovação da legislação
que a legalizou (2004). Depois dessa data as divisões sobre a
matéria que atravessam a sociedade belga são subestimadas e
reduzidas à afirmação de que a eutanásia é “genericamente bem
aceite” tendo apenas este quase consenso sido abalado pela polémica
sobre o recente alargamento da legalização do pedido de morte
assistida a menores de idade (2014). Ora tal não
é factualmente verdadeiro, como se pode verificar através de
simples pesquisa na web. Movimentos, tomadas de posição de várias
origens e quadrantes e manifestos contra a eutanásia estão nela
largamente documentadas. Tal como críticas a
eventuais abusos na aplicação da legislação; Por outro lado, ao
longo da referida reportagem não é recolhida qualquer opinião
contrária à legislação despenalizadora da eutanásia, apenas se
dá voz aos seus defensores.
O Provedor do telespetador reconheceu o fundamento à queixa do telespetador e
qualifica a reportagem como não conforme à observância de todos os
princípios deontológicos consignados no Código Deontológico dos
Jornalistas Portugueses, nomeadamente no que se refere à obrigação
de “relatar os factos com rigor e exatidão” e “Os factos devem
ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no
caso” [Art.1º].
Jorge Wemans concluiu que a peça
em causa transmitiu uma imagem enviesada e distorcida quanto à
relação da sociedade belga com a prática da eutanásia no seu
país. O que, atendendo ao momento específico em que foi emitida,
aumenta a gravidade da sua inclusão no principal jornal da RTP1. O
rigor, a inclusão de contraditório e a isenção que devem
manifestar-se em todas as peças informativas, são, se é possível,
ainda mais exigíveis em matérias sobre questões e temas polémicos.
O Provedor, ainda que não tendo qualquer razão para crer que tenha
existido dolo neste caso concreto, não pode deixar de recomendar à
Direção de Informação uma atenção acrescida à verificação
cuidadosa daqueles pressupostos do bom jornalismo em todos os
trabalhos sobre assuntos objeto de controvérsia, disse Jorge Wemans,
Provedor do telespetador da RTP.
Aliás, esta falta de rigor na
informação, da apresentação do contraditório, foi geral no debate da
eutanásia. De realçar ainda que na semana da votação dos projectos de
lei na AR teve mais destaque nos media o tema da crise interna do
Sporting Clube de Portugal, do que um tema tão importante para a vida
dos portugueses, como a eutanásia e o fim de vida.
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