Nas próximas semanas vamos publicar alguns excertos do artigo da Filósofa *Marta Mendonça sobre Os Princípios Bioéticos e o Debate da Eutanásia.
A reflexão sobre a morte
A reflexão sobre a morte
" Como
prática a eutanásia não é uma novidade do mundo tecnológico.
Todos conhecemos, e ouvimos serem invocadas, as práticas eutanásicas
de Esparta, por exemplo. O que se alterou significativamente na nossa
época foi o modo de abordar e de valorizar a eutanásia. De ser uma
questão de facto, própria de civilizações que desconheciam os
direitos humanos ou que não os reconheciam a todos os homens, algo
que nos escandaliza e que há que erradicar, a eutanásia passou a
reivindicar-se como um direito: o direito a morrer com dignidade, o
direito a decidir sobre o termo da vida, o direito a ser libertado do
fardo da vida. Este é também, no essencial, o elemento
diferenciador entre a prática eutanásica da II Guerra Mundial e o
enquadramento jurídico que se lhe quer dar actualmente. De
entendê-la como uma prática desenvolvida à margem da lei e contra
ela, por ordem de Hitler, passou-se agora a procurar o enquadramento
legal que despenaliza ou que desresponsabiliza aquele que, movido por
compaixão, alivia o sofrimento alheio, eliminando uma vida que se
diz já carente de sentido. A eutanásia apresenta-se ou
reivindica-se como um direito, portanto. Um direito que decorre,
argumentam os seus defensores, de três princípios bioéticos
comummente invocados e reconhecidos: o princípio do respeito pela
dignidade, o princípio do respeito pela autonomia e o princípio de
benevolência ou de não maleficência. As argumentações variam e
os princípios invocados variam com elas; no entanto, o facto de que,
partindo do sentido etimológico – “morte doce” –, a
eutanásia tenha progressivamente adquirido o sentido de “morte
digna”, revela que se quis pôr no centro do debate a questão da
dignidade e do respeito por ela. Também por isso a eutanásia se
formula como um direito: temos o direito a uma morte digna. Há, no
entanto, algo que surpreende no debate sobre a eutanásia. E é que
estes princípios – entendidos como critérios de juízo – são
invocados dos dois lados da controvérsia. Também os críticos da
eutanásia invocam estes três princípios – respeito pela
dignidade, respeito pela autonomia a benevolência ou não
maleficência – para fundamentar a tese de que a “solução
final” da eutanásia é inadmissível do ponto de vista ético e de
que não é essa a morte digna a que todos temos direito."
* Professora de Filosofia da Universidade Nova de Lisboa