sábado, 18 de fevereiro de 2017

Normas Éticas e Deontológicas da Medicina



Numa altura em que o debate da eutanásia está na ordem do dia e em especial esta semana foi apresentado o ante projecto sobre a legalização da eutanásia pelo Bloco de Esquerda no Parlamento,
não se fizeram esperar as reacções da classe médica que divulgaram na imprensa o Manifesto dos Medicos de Cuidados Paliativos, bem como o Bastonário da Ordem dos Médicos assinou a Declaração dos cinco Bastonários contra a eutanásia.
Apresentamos o Juramento de Hipócrates de 1771, tendo sido feita uma versão adaptada da Fórmula de Genebra e adoptada pela Associação Médica Mundial em 1983. Como diz o documento a ética médica tem o dever de defender os doentes em todas as circunstâncias

JURAMENTO de HIPÓCRATES 1771
Prefácio:  São estes os estatutos da arte médica que o aluno deve aceitar e confirmar por juramento, Contêm os preceitos sobre a gratidão para com o professor; sobre a integridade do doente e sobre os mais graves casos cirúrgicos não curáveis, como a extracção de cálculos da bexiga, como se debus pela divisão da medicina em três partes,  Os antigos aceitavam-na, os Mercuriales rejeitam-na,  Argumento -   Os deveres que o médico deve ter para com o professor e para com a profissão são: a integridade de vida, a assistência aos doentes e o desprezo pela sua própria pessoa,  
Juramento -  Juro por Apolo Médico, por Esculápio por Higí por Panaceia e por todos os Deuses e Deusas que acato este juramento e que o procurarei cumprir com todas as minhas forças físicas e intelectuais,  Honrarei o professor que me ensinar esta arte como os meus próprios pais; partilharei com ele os alimentos e auxiliá-lo-ei nas suas carências,  Estimarei os filhos dele como irmãos e, se quiserem aprender esta arte, ensiná-la-ei sem contrato ou remuneração. A partir de regras, lições e outros processos ensinarei o conhecimento global da medicina, tanto aos meus filhos e aos daquele que me ensina!; como aos alunos abrangidos por contrato e por juramento médico, mas a mais ninguém. A vida que professar será para benefício dos doentes e para o meu próprio bem, nunca para prejuízo deles ou com malévolos propósitos.  Mesmo instado, não darei droga mortífera nem a aconselharei; também não darei pessário abortivo às mulheres.  Guardarei castidade e santidade na minha vida e na minha profissão.  Operarei os que sofrem de cálculos, mas só em condições especiais; porém, permitirei que esta operação seja feita pelos praticantes nos cadáveres,  Em todas as casas em que entra!; fá-lo-ei apenas para benefício dos doentes, evitando todo o mal voluntário e a corrupção, especialmente a sedução das mulheres, dos homens, das crianças e dos servos,  Sobre aquilo que vir ou ouvir respeitante à vida dos doentes, no exercício da minha profissão ou fora dela, e que não convenha que seja divulgado, guardarei silêncio como um segredo religioso,  Se eu respeitar este juramento e não o viola!; serei digno de gozar de reputação entre os homens em todos os tempos; se o transgredir ou violar que me aconteça o contrário,  

HIPOCRATIS OPERA VERA ET ADSCRIPTA  Tomus Quartus, pág: 197-198-199, Lausanne MDCCLXXI  

Não faz sentido discutir eutanásia sem alargar a rede de Cuidados Paliativos

Nos Cuidados Paliativos da Casa de Saúde da Idanha, uma referência em Portugal, apenas existiram três situações de pessoas que pediram para morrer. Em todos esses casos foi possível identificar a raiz do sofrimento que motivava esse pedido e resolvê-la, levando a que a pessoa deixasse de querer morrer.
Neste estabelecimento de Saúde o tempo máximo para se conseguir o controlo da dor é de 48 horas. Quando os cuidados paliativos são feitos com ciência, sabedoria e experiência, consegue-se efectivamente controlar os sintomas físicos. Continua a haver muito por fazer em Portugal na área dos cuidados paliativos. Os enfermeiros da Casa de Saúde da Idanha consideram que não faz sentido discutir a legalização da eutanásia sem antes alargar a rede dos paliativos. 
A Casa de Saúde da Idanha, pertence à Congregação das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus. Pode ler mais sobre esta noticia aqui.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Reacção dos médicos de cuidados paliativos ao ante projecto sobre eutanásia do Bloco Esquerda


Na sequência do ante projecto de lei sobre eutanásia apresentado esta semana, na quarta-feira, no Parlamento, foram várias as reacções da sociedade civil e da classe médica a esta iniciativa legislativa. Nomeadamente, catorze clínicos de todo país reagiram na imprensa com um Manifesto sobre os Cuidados Paliativos. "Somos médicos/as, trabalhamos com Ciência e Evidência, e o tema dos Cuidados Paliativos não é uma questão de fé ou crença, como por vezes se sugere. É de cuidados de saúde que falamos, uma intervenção técnica global  no sofrimento dos doentes graves e em fim de vida, que não pode ser distorcida em nome do “vale tudo”, e um tema do maior interesse para a sociedade, até porque a maioria dos portugueses continua a não ter acesso a eles."
Também o Presidente da Associação dos Cuidados, Manuel Capelas, deu declarações à Radio Renascença sobre o ante projecto da eutanásia promovido pelo Bloco Esquerda: "Não vi em nenhum programa eleitoral de nenhum partido a discussão deste problema. Apesar de a Assembleia da República ser mandatada pelos cidadãos, não me parece que seja correto que seja ela a decidir isto, quando não pôs previamente esta questão a nenhum cidadão.” Estas noticias foram publicadas na imprensa no dia 15/02/017.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Antecipação da morte: o que diz a iniciativa do BE?

Iniciamos hoje uma série de artigos e posts como contributo para uma tomada de posição mais informada sobre a iniciativa legislativa posta à discussão pública pelo Bloco de Esquerda. Para começar, importa esclarecer que alterações à lei vigente implicará a aprovação do futuro projecto do BE. De facto, o Código Penal Português criminaliza, nos seus artigos 134º e 135º, o «homicídio a pedido da vítima» e o «incitamento ou ajuda ao suicídio», tal como apresentado em baixo.
Caso a vontade do BE vá por diante, os dois artigos mantém-se, acrescentados de uma terceira alínea em cada um, que especifica que a conduta não é punível quando realizada no cumprimento das condições estabelecidas pela Lei. Abre-se, assim, uma excepção ao crime de homicídio a pedido da vítima e ao de incitamento ou ajuda ao suicídio. Excepções que implicam uma mudança no que diversas legislações encaram como uma conquista civilizacional, a de penalizar este tipo de actos. Da alteração proposta neste Artigo 21º do anteprojecto do BE decorrem, então, todos os restantes artigos que analisaremos em posts posteriores.


Código Penal Português
Artigo 134º
Homicídio a pedido da vítima
1 - Quem matar outra pessoa determinado por pedido sério, instante e expresso que ela lhe tenha feito é punido com pena de prisão até 3 anos.
2 - A tentativa é punível.

Artigo 135º
Incitamento ou ajuda ao suicídio
1- Quem incitar outra pessoa a suicidar-se, ou lhe prestar ajuda para esse fim, é punido com pena de prisão até 3 anos, se o suicídio vier efectivamente a ser tentado ou a consumar-se.
2 - Se a pessoa incitada ou a quem se presta ajuda for menor de 16 anos ou tiver, por qualquer motivo, a sua capacidade de valoração ou de determinação sensivelmente diminuída, o agente é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.

Anteprojecto do bloco de esquerda
Capítulo V - Disposições finais
Artigo 21.º
Alteração ao Código Penal
Os artigos 134.º e 135.º do Código Penal passam a ter a seguinte redacção:
Artigo 134.º - Homicídio a pedido da vítima
1– ...
2– ...
3– A conduta não é punível quando realizada no cumprimento das condições estabelecidas pela Lei n.º.....

Artigo 135.º - Incitamento ou ajuda ao suicídio
1– ...
2– ...
3– A conduta não é punível quando realizada no cumprimento das condições estabelecidas pela Lei n.º.....

Bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, assina a Declaração dos cinco Bastonários sobre a eutanásia

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Cuidados Paliativos: perguntas frequentes

Uma definição por dia: sedação paliativa



SEDAÇÃO PALIATIVA
EUTANÁSIA

QUAL É A INTENÇÃO?

Aliviar o sofrimento do paciente causado por um sintoma refractário
Provocar a morte do paciente a pedido deste


COMO SE REALIZA?
Mediante fármacos que diminuem a consciência da pessoa de forma proporcionada ao controlo do sintoma

Mediante fármacos em doses letais de modo a causar a morte da pessoa


QUAL É O RESULTADO?
Aliviar o sofrimento mediante a diminuição da consciência
Pode ser intermitente
É reversível

Morte antecipada

É irreversível


A sedação paliativa e a eutanásia são práticas consideradas moralmente distintas: a intenção de sedação paliativa é aliviar o sofrimento insuportável do paciente, a da eutanásia é terminar a vida do paciente a pedido deste. A expressão intenção é aqui usada no sentido mais restrito, isto é, de orientação da acção, e não de um hipotético conhecimento de possibilidades de consequências imprevisíveis. A Associação Europeia de Cuidados Paliativos (EAPC) adicionou mais dois indicadores para contextualizar o conceito de intenção: o resultado (na sedação paliativa, um tratamento de sucesso é o alívio obtido de sintomas refractários no doente; na eutanásia o sucesso é obtido com a morte do paciente) e o procedimento (na sedação paliativa, o procedimento é individualizado e monitorizado, com doses mínimas utilizadas; na eutanásia, o procedimento é padronizado e não monitorizado). Mais informação.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Testemunho de António Lobo Antunes


                   Adeus                


Nesta crónica em jeito de testemunho familiar António Lobo Antunes valoriza a profissão dos médicos que têm o poder de salvar vidas. Nasceu em Lisboa, no seio de uma família da pequena burguesia, o seu pai, João Alfredo Lobo Antunes, foi um destacado neurologista português, assistente de Egas Moniz e professor de Medicina.  Irmão de João Lobo Antunes (Lisboa, 4 de junho de 1944 – Lisboa, 27 de Outubro de 2016), neurocirurgião português e ex-membro do Conselho de Estado, e Nuno Lobo Antunes  neuropediatra. 
António Lobo Antunes licenciou-se em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Após a conclusão do curso foi destacado como médico militar durante a guerra colonial entre 1971 e 1973 no leste de Angola, quando terminou o cumprimento do serviço militar, Lobo Antunes especializou-se em psiquiatria, tendo exercido a especialidade durante alguns anos no Hospital Miguel Bombarda até a abandonar por completo em favor da literatura.
" De muitos outros médicos devia falar, mas isto é só uma pequena crónica sem pretensões, e todos merecem melhor do que isso. Tenho tanta vaidade em ser vosso colega, vosso colega não, daqui em diante sou apenas o senhor António Lobo Antunes, todo coberto de condecorações, prémios, honrarias, e de que serve isso, ao passo que vocês são Médicos. E tenho de curvar-me, com humilde respeito, diante da vossa profissão. Um escritor não cura ninguém salvo, talvez, a si mesmo. "
Revista Visão, 2016-02-18

Uma definição por dia: efeito da rampa deslizante

No contexto da legalização da prática da eutanásia ou do suicídio assistido uma das preocupações recorrentes tem sido a do alargamento dos critérios clínicos para incluir outros grupos da sociedade que não estavam contemplados na legislação inicial. Vários estudos têm documentado o efeito da rampa deslizante (em inglês slippery-slope effect) nos Países Baixos (Holanda) e na Bélgica. Isto significa que nestes países, mesmo que a legislação tenha sido formulada com indicações muito restritivas e precisas, as regulamentações posteriores foram progressivamente alargadas e, por fim, muitas vezes anuladas pela prática corrente.
Um dos indicadores desta rampa deslizante mais referidos nesses estudos é o abuso da sedação paliativa terminal (na Holanda), com alguns médicos a afirmar terem iniciado a sedação profunda e contínua com a intenção de provocar uma overdose nos doentes para antecipar a morte. Na Holanda, a NVVE - Nederlandse Vereniging voor een Vrijwillig Levenseinde (Associação Holandesa para um Fim de Vida Livre) propôs que a eutanásia e o suicídio assistido sejam possíveis para pessoas deprimidas e nos estádios iniciais de demência, quando o doente ainda é capaz de formular um pedido explícito. De facto, neste país, em 2013, a eutanásia foi realizada em 97 doentes com demência e em 42 doentes com doenças psiquiátricas, segundo dados da Regional Euthanasia Review Committees. A legislação holandesa também permite que os médicos ponham fim à vida de recém-nascidos, se nascerem com problemas tão graves que o termo da vida seja considerado a melhor opção. Outro indicador apontado é o facto de na Bélgica, desde a introdução da lei em 2002, já terem sido propostos mais de 25 projectos de alargamento do âmbito da lei. Recentemente o Parlamento belga votou que as crianças e os adolescentes também podem receber a eutanásia ou o suicídio medicamente assistido. Um estudo de 2014 revelou que o suicídio assistido na Suíça está cada vez mais associado a mulheres em situações que podem indiciar maior vulnerabilidade - como viver sozinha ou divorciada -, mas também a indivíduos que completaram o ensino superior e com boa posição socioeconómica. Estes são apenas alguns indicadores. Mas há mais.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Opinião: de Germano de Sousa*

A Eutanásia e a Democracia Fugitiva

A Eutanásia é uma questão civilizacional! Autorizar a morte de um doente ou facilitar o seu suicídio, por um médico, a pedido daquele, mesmo que por razões ponderosas - chame-se-lhe Eutanásia, ou o que se quiser – sem uma reflexão de toda a comunidade e sem um referendo que claramente expresse o seu sentir, desestrutura e atinge a identidade dessa comunidade. O Bloco de Eesquerda com o beneplácito de parlamentares de outros partidos, atarefa-se na legalização da eutanásia na Assembleia da República. Apesar da Eutanásia não constar do programa de nenhum dos partidos desses deputados e sem mandato para isso do povo português, recusam o referendo. Confrontados nos jornais, alguns deles argumentam, "que a Eutanásia é um assunto que diz respeito às liberdades fundamentais” e como tal querem legislar sem ouvir os portugueses! Quem os autoriza a falar em nome destes sem previamente terem avisado ao que vinham?  E o referendo sobre o aborto? A liberdade da mulher dispor do seu “ventre” não era também uma liberdade fundamental? Estarão estes parlamentares com receio de auscultarem o povo que os elegeu? Um deles, há um ano atrás, afirmava mesmo que o objectivo do referendo “é o oposto da democracia. Uns quantos a imporem a todos as suas próprias opções, regras e decisões de vida!!” Como se uma decisão sobre a Eutanásia, tomada apenas no parlamento não  configurasse uma minoria a  impor a todos as suas próprias opções e decisões de vida? Que democracia fugitiva é esta que nos querem impor?
Se houver referendo votarei contra a legalização da morte. Não  o  faço por razões religiosas ou teológicas. Faço-o por razões éticas e deontológicas que para mim sobrelevam qualquer lei ou religião. As mesmas que me levaram quando Conselheiro do C.N.E.C.V. a subscrever positivamente o parecer sobre o Testamento Vital ou  que, enquanto Bastonário da O.M., me fizeram opor a qualquer forma de  encarniçamento terapêutico (Distanásia). A ética médica implica a realização de valores que encarnam os direitos que todos os seres humanos deveriam primordialmente usufruir. Entre estes está o direito a viver com dignidade. Do princípio ao fim. Viver o fim com dignidade significa a ausência de sofrimento físico. Significa também a ausência de sofrimento moral e psíquico, pois a angústia do doente que sabe estar o fim de vida muito próximo e a solidão que sente (haverá acto mais solitário que morrer?), torna obrigatório também aqui, que o médico cumpra o princípio ético de tudo fazer pelo bem-estar e dignidade do seu doente. Que tem o direito a terapêuticas paliativas que lhe diminuam o sofrimento, mesmo que contribuam indirectamente para um não prolongar artificial da vida. Que tem o direito a consentir ou recusar essas terapêuticas. Que tem o direito a um fim de vida digno e conforme à sua condição de ser humano. Porém, o respeito por esses direitos, não permite ao médico descurar outro dever ético fundamental e estruturante da sua profissão. O de jamais atentar contra a vida do doente mesmo que o faça em nome desses direitos. Eliminar a dor física ou moral não pode significar eliminar o portador da dor. Ou seja, mesmo invocando intuitos piedosos o médico não pode jamais praticar a eutanásia. Sob pena de negar os alicerces da sua profissão e da relação médico-doente! Sob pena de se negar a si mesmo! O respeito máximo dos médicos pela vida humana é um valor absoluto que não admite subterfúgios. Assim o impõe o Juramento de Hipócrates na sua forma clássica e a Declaração de Genebra, na sua última versão de 2006. 
Artigo publicado no Jornal Expresso 3/02/017
* Ex-Bastonário da Ordem dos Médicos
  Ex-Conselheiro do Conselho Nacional de Ética das Ciências da Vida (CNECV)