segunda-feira, 29 de março de 2021

Qual o sentido do Acórdão do Tribunal Constitucional, acerca da constitucionalidade da lei da eutanásia e do suicídio assistido? Uma contribuição para o esclarecimento da opinião pública, por Paulo Adragão, Professor de Direitos Fundamentais



Começo por uma declaração de interesses, para iniciar esta escrita: sou jurista e professor universitário; ainda que tente ser acessível, sofro da “de formação profissional” inerente às condições aqui confessadas!
Ora, a questão da eutanásia e do suicídio assistido é, antes de mais, uma questão antropológica, que chama outros saberes, mais importantes que o direito; assim, faço, desde já, um aviso à navegação: vou limitar-me à vertente jurídica, aliás, mais ainda, vou limitar-me à questão da interpretação do sentido vinculativo do Acórdão n. 123/2021, do Tribunal Constitucional, acerca da constitucionalidade da lei da eutanásia e do suicídio assistido.
Parece-me que não se deve evitar uma questão prévia: não confundir a decisão, incorporada no acórdão do Tribunal Constitucional de 15 de março de 2021 (texto do relator definitivo da sentença, Conselheiro Pedro Machete) acerca da lei da eutanásia e do suicídio assistido, com o sentido particular das declarações de voto concorrentes ou vencidas (que só vinculam os juízes que as assinam).
Qual foi o sentido da citada decisão? Cito (da p. 58 da sentença) (os negritos são meus):
“… O Tribunal decide, com referência ao Decreto n.º 109/XIV da Assembleia da República, publicado no Diário da Assembleia da República, Série II-A, número 76, de 12 de fevereiro de 2021, [“que regula as condições especiais em que a antecipação da morte medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal”] e enviado ao Presidente da República para promulgação como lei:
a) Pronunciar-se pela inconstitucionalidade da norma constante do seu artigo 2.º, n.º 1, com fundamento na violação do princípio de determinabilidade da lei enquanto corolário dos princípios do Estado de direito democrático e da reserva de lei parlamentar, decorrentes das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 165, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa, por referência à inviolabilidade da
vida humana consagrada no artigo 24.º, n.º 1 [da Constituição]; e, em consequência,
b) Pronunciar-se pela inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 4.º, 5.º, 7.º e 27.º do mesmo Decreto.”
Portanto, as normas citadas da lei da eutanásia e do suicídio assistido são inconstitucionais, por violação do princípio de determinabilidade da lei, por referência à inviolabilidade da vida humana consagrada no artigo 24.º, n.º 1 da Constituição.
Esta decisão faz aliás, jurisprudência, obrigatória no caso concreto, enquanto as declarações de voto dos diferentes juízes, em nome individual, só fazem doutrina, de valor variável, no “mercado” das opiniões jurídicas.
Note-se que, nos termos da nossa Constituição, o Tribunal Constitucional português é soberano, não estando subordinado a nenhuma outro tribunal, nacional, europeu ou estrangeiro, quanto aos seus juízos de constitucionalidade de quaisquer normas vigentes ou vigorar no ordenamento jurídico-político de Portugal, à face da nossa Lei Fundamental.
Espero ter contribuído para o esclarecimento dos portugueses.

Paulo Adragão, Professor da Faculdade de Direito da Universidade do Porto; constitucionalista e especialista em direitos fundamentais.
pauloadragao@gmail.com

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