sábado, 30 de dezembro de 2023

Olhar e ver.... - por Sofia Guedes



O ano de 2023 foi mais um ano das nossas vidas!

Para cada um de nós, foi mais um ano de crescimento interior, de aprendizagem nos momentos de sofrimento, assim como também nos de alegria.

Olhar com verdade a realidade que nos rodeia é reconhecer que ainda estamos a caminho. É saber que o mundo está cheio de erros por nossa culpa, de todos e de cada um. É reconhecer que ainda há tanto para fazer e quantos talentos para pôr a render. 

O nosso olhar deve focar-se sobretudo nos mais frágeis, pois são esses que nos tornam mais humanos; são eles que dão sentido e razão para viver, apesar de parecer um paradoxo, um mistério. 

Na fragilidade, podemos encontrar e buscar fortaleza que preenche os vazios da nossa existência.  Na fragilidade, descobrimos quem somos e como somos capazes de muito mais, damos valor ao tempo e ao Bem que há em nós.

A fragilidade torna-nos dependentes e responsáveis uns dos outros, que é também uma forma de dizer humanidade. Todos somos frágeis e todos somos fortes! E é nesta tensão que o nosso coração bate enquanto existimos.

O ano de 2024 é ainda desconhecido para nós, mas podemos olhar o horizonte e buscar a Luz que sai daquele Presépio de Belém, onde nasceu Jesus, o Salvador do Mundo que ilumina e nos prepara para o caminho onde iremos encontrar novos desafios. Podemos e devemos abraçá-los, treinando a nossa inteligência, vontade e coragem, para assim nos tornarmos melhores seres humanos, onde a dignidade alcança a sua maior visibilidade.

Desejo a todos um futuro cheio de esperança e a certeza de que o Bem e a Verdade serão sempre vencedores.

Sofia Guedes, Fundadora do movimento cívico Stop eutanásia

quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

Morrer SIMPLEX, por F. do Valle




Maria de Trás-os-Montes, mas bem poderia ser de Lisboa, das Beiras ou do Alentejo, obriga o Estado a muito esforço e em nada contribui para o progresso desta sociedade integrada na Europa dos 27.

Diz-se que o português é triste, pessimista e dado à maledicência, por razões provavelmente antropológicas, e que culpa, invariávelmente, o Estado de um destino que lhe parece fadado para a desgraça e a frustração. Diz-se que é negativo e conformista. Que não compreende tudo o que os seus governantes labutam diáriamente pelo seu bem estar.

Imaginemos, então, uma cidadã nascida e residente em algum lugarejo, por exemplo, em Trás-os-Montes. Chamemos-lhe Maria e suponhamos que tem 90 anos. Os dois filhos emigraram há muitos anos para a América e aquele que ainda vive só vem de muitos em muitos anos a Portugal. Desde que ficou viúva, nem tudo tem corrido bem, por culpa própria, pois, dada como é ao pessimismo típicamente português, nada tem feito para triunfar na vida e responder positivamente aos apelos entusiásticos dos governantes no sentido de modernizar as mentalidades e mudar comportamentos.

Não sabia, apesar dos esforços da diligente Administração Pública, que toda a sua situação fiscal se encontra na internet (nem sabe o que isso é, pasme-se!...) e que o defunto estava atrasado na declaração de IRS. Com a desculpa de que é quase analfabeta e mais o glaucoma, não sabe que já não há impressos do imposto de selo e do IMI, os quais, aliás, também nunca soube ao certo o que eram. 

Não faz ideia de como identificar os bens móveis e imóveis que tem, mais os do filho sobrevivo e os dos netos nascidos do outro filho, nem entende o que é de quem tendo em conta o regime de bens em que se casara. Fica apática quando um vizinho lhe diz que tem de apresentar licenças de construção e de utilização e certidões prediais nas finanças. 

Não faz habilitação de herdeiros, mesmo quando lhe dizem que é necessária. Não entende porque lhe escrevem cartas com coimas por irregularidades diversas que cometeu por não tratar de todas aquelas coisas que não entende, porque não atribui significado às palavras constantes das notificações, como, aliás, não atribui a nenhuma das outras palavras que, sem que soubesse, eram tão importantes na sua nova vida de viúva, com 90 anos, quase cega.

Maria não imagina, sequer, que tipo de deveres tem, pois a sua debilitada memória vagueia pelo tempo em que a Casa do Povo e a Estação dos Correios eram o único sinal de um país para lá da aldeia.

O seu pessimismo leva-a, portanto, a não dar valor a expressões como “velhos são os trapos”, o que demonstra, à sociedade, que pertence a uma geração derrotada e distante dos benefícios da modernidade.

Num belo dia, entra-lhe em casa a justa penhora que, como é próprio de uma sociedade democrática, se aplica a todos os contribuintes incumpridores, sem distinção de sexo, idade, condição social ou lugar de nascimento. Dura lex, sed lex”.

Maria ficará desamparada por perder a casa, a courela, as ovelhas? Não! O Estado reserva-lhe, sem dúvida, algum lar da Segurança Social para que tenha tecto e sopa. Ou talvez não reserve, mas a culpa foi dela que tentou fugir aos seus deveres de cidadã. O que esperava? E o filho que está na América, não podia ter dado uma ajuda? Não sabia o que estava a acontecer?!?... Não emigrasse...

Maria não pertence a uma minoria, nem a um bairro problemático. Não pode trocar a barraca por uma casa, pois nunca roubou ou invadiu propriedade alheia e, por isso, não tem direito a uma discriminação social positiva. Maria não vota. Maria não paga. Maria vale menos do que o chocalho distante no pasto morno de Agosto.

Maria de Trás-os-Montes, mas bem poderia ser de Lisboa, das Beiras ou do Alentejo, obriga o Estado a muito esforço e em nada contribui para o progresso desta sociedade integrada na Europa dos 27. Ela, Maria, representa bem o português pessimista, derrotista, que culpa o destino ou o Governo, em vez de olhar para as suas próprias incapacidades.

Maria não sabe quem são os gestores ilustres, os futebolistas ilustres, os modelos ilustres, os políticos ilustres, os presidiários ilustres, mais todos os ilustres que são todos os que os jornalistas ilustres quiserem que sejam. Mas chora com a memória dos netos que já não poderá abraçar.

Maria nunca teve o Cartão de Cidadão, com chip, verdadeiro símbolo distintivo de uma cidadania responsável!

Às tantas, é capaz de morrer, sem morte assistida, só por dar uma trabalheira...

F. do Valle, doutorando em Direito