Michel Ghins, Professor de Filosofia da Universidade de Louvaine, na Bélgica, especialista em questões de bioética comenta ao stopeutanásia.pt a falta de critérios e as imprecisões dos projetos de lei do PAN e do Bloco de Esquerda. Explica a falácia dos argumentos dos defensores da eutanásia, a rampa deslizante da lei na Bélgica e os seus perigos na sociedade.
"No projeto do PAN criticam o argumento da “rampa deslizante”
dizendo que o número de mortes por eutanásia na Holanda, por
exemplo é muito pequeno (2,9%). O problema é que está a aumentar
rapidamente. Na Bélgica o número anual oficial de eutanásia passou de 235 em 2003 a 2022, em 2015, segundo o relatório oficialda Comissão que avalia as declarações de eutanásia.
O
número anual de mortes na Bélgica é de mais ou menos 109 000.
Logo, a proporção de eutanásias passou de cerca 0,21% a 1,8% em 13
anos.
Há um outro aspecto tem que ser levado em conta. O importante para os
partidos que querem legalizar a eutanásia, é que o principio do
acesso à eutanásia seja votado. Pouco importam as condições mais
ou menos restritivas. Uma lei mais restritiva tem mais hipóteses de
ser votada. O voto a favor, é isso que conta. Uma vez que o
principio do acesso à eutanásia está na lei, inevitavelmente a
prática será ampliada, não somente porque a mentalidade eutanásica
progredirá, mas porque serão votadas modificações da lei cada vez
mais abrangentes.
Na
Bélgica, por exemplo, o acesso à eutanásia foi estendido a pessoas
menores, sem limite de idade, em 2014. E tem projetos para estender o
seu acesso a pessoas dementes (que não tem consciência de si
próprio) independentemente de uma declaração prévia dessas
pessoas concordando em ser eutanasiadas em certas condições. Isto
contradiz o argumento fundamental dos defensores do acesso à
eutanásia, a saber o pedido autónomo e livre do paciente e introduz
uma distinção discriminatória entre vidas que valem a pena de ser
vividas e outras não.
Além
disso, na Bélgica, alguns querem legislar para que todas as
instituições sejam obrigadas a praticar a eutanásia dentro dos
seus hospitais. Logo, se a lei for votada, o que pode acontecer (em
virtude dessa argumentação política recorrente, mas falaciosa,
segundo a qual o que já se faz deve ser enquadrado jurídicamente
para fins de transparência e evitar abusos; a questão
pertinente é: essa prática é boa ou não para as pessoas, para a
sociedade?
Se
a eutanasia for legalizada qualquer pessoa, que num momento de
depressão ou fraqueza pede a eutanásia, será assassinada, a não
ser que seja eutanasiada sem sua vontade no seu sono.
Eu
pessoalmente não quero ser eutanasiado, mas não posso jurar que
nunca pedirei ser eutanasiado. Por isso, em fim de vida, quero ser
hospitalizado num lugar onde a eutanásia não é praticada, mas que
tudo será feito para aliviar meu sofrimento.
A
Comissão oficial na Bélgica, no decorrer dos anos, passou a validar
casos de eutanásia que não são conformes a lei de 2002. É verdade
que a Comissão é composta por membros que na sua maioria são a
favor de uma extensão da lei. Até hoje, nenhum médico foi
processado, sobre um total global de mais de 20 000 eutanásias desde
2002.
No
projeto do PAN, não está claro se eles são a favor de um direito à
eutanásia ou sua despenalização. No seu projeto dizem que o Estado
não pode impor uma visão do mundo. Contudo, é isso que acontece,
desde que haja uma maioria que o decide. A Declaração Universal dos
Direitos dos Homens “impõe” uma certa visão do mundo, inclusive
o direito à vida, isto para evitar que os horrores da segunda guerra
se repitam. Naturalmente, conforme essa declaração, cada um pode
ter crenças religiosas ou ateias etc. em toda liberdade. Mas, o
Estado tem o direito de proteger os mais fracos, como os doentes em
fim de vida, inclusive contra eles mesmos, se num momento de fraqueza
eles pedem de morrer (o que significa na quase totalidade dos casos,
de um pedido de ajuda).
Suponhamos
que uma pessoa mutila-se gravemente com repetição, será que o faz
livremente? Não seria dever e papel do Estado organizar o tratamento
de uma pessoa que sofre provavelmente de problemas psiquiátricos?
A
tática dos defensores da eutanásia é de apagar distinções
fundamentais, mudar o sentido das palavras, introduzir confusões
para tornar a eutanásia aceitável nas mentes dos cidadãos (que
votam). Por exemplo, fazer acreditar que a eutanásia não é um
homicídio, porque a motivação é suprimir o sofrimento; que não
tem distinção nítida entre administrar uma dose de morfina para
aliviar a dor e uma eutanásia, porque a morfina encurta a vida etc.
Administrar uma dose de morfina forte que com certeza provocará a
morte a curto prazo é certamente um homicídio; ao contrário,
injetar uma dose controlada para aliviar a dor (sem provocar a morte
a curto prazo) não é uma eutanásia.
Outro
exemplo, é defender que o direito a vida não é absoluto porque se
pode matar em caso de legitima defesa (projeto PAN). Claro, o direito
de matar não é absoluto, se por absoluto se entende que se deve
respeitar, proteger, manter a vida a todo o custo em todas as
circunstâncias (o que justificaria a obstinação terapêutica).
Mas, a legítima defesa é fundada sobre o seu próprio direito a
vida e o direito de o defender contra agressões exteriores, sem a
intenção de matar o agressor mas evita-lo, se for possível, mas
sem ser prosseguido por lei se a morte do agressor acontecer.
O
projeto do BE é muito restritivo, mas difícil de organizar em
prática. Dificilmente garante as verificações previstas. Mas isso
pouco importa; querem tranquilizar quem hesita em votar a lei e
aliviar as consciências dos oponentes. O importante, de novo, é que
o principio do acesso a eutanásia seja votado."
Excerto de entrevista a STOPeutanasia.pt