quarta-feira, 14 de março de 2018

Bioético Belga comenta projectos de lei sobre eutanásia do Pan e do Bloco de Esquerda:«Uma lei mais restritiva tem mais hipóteses de ser votada»

Michel Ghins,  Professor de Filosofia da Universidade de Louvaine, na Bélgica, especialista em questões de bioética comenta ao stopeutanásia.pt a falta de critérios e as imprecisões dos projetos de lei do PAN e do Bloco de Esquerda. Explica a falácia dos argumentos dos defensores da eutanásia, a rampa deslizante da lei na Bélgica e os seus perigos na sociedade.
"No projeto do PAN criticam o argumento da “rampa deslizante” dizendo que o número de mortes por eutanásia na Holanda, por exemplo é muito pequeno (2,9%). O problema é que está a aumentar rapidamente. Na Bélgica o número anual oficial de eutanásia passou de 235 em 2003 a 2022, em 2015, segundo o relatório oficialda Comissão que avalia as declarações de eutanásia.
O número anual de mortes na Bélgica é de mais ou menos 109 000. Logo, a proporção de eutanásias passou de cerca 0,21% a 1,8% em 13 anos.
Há um outro aspecto tem que ser levado em conta. O importante para os partidos que querem legalizar a eutanásia, é que o principio do acesso à eutanásia seja votado. Pouco importam as condições mais ou menos restritivas. Uma lei mais restritiva tem mais hipóteses de ser votada. O voto a favor, é isso que conta. Uma vez que o principio do acesso à eutanásia está na lei, inevitavelmente a prática será ampliada, não somente porque a mentalidade eutanásica progredirá, mas porque serão votadas modificações da lei cada vez mais abrangentes.
Na Bélgica, por exemplo, o acesso à eutanásia foi estendido a pessoas menores, sem limite de idade, em 2014. E tem projetos para estender o seu acesso a pessoas dementes (que não tem consciência de si próprio) independentemente de uma declaração prévia dessas pessoas concordando em ser eutanasiadas em certas condições. Isto contradiz o argumento fundamental dos defensores do acesso à eutanásia, a saber o pedido autónomo e livre do paciente e introduz uma distinção discriminatória entre vidas que valem a pena de ser vividas e outras não.
Além disso, na Bélgica, alguns querem legislar para que todas as instituições sejam obrigadas a praticar a eutanásia dentro dos seus hospitais. Logo, se a lei for votada, o que pode acontecer (em virtude dessa argumentação política recorrente, mas falaciosa, segundo a qual o que já se faz deve ser enquadrado jurídicamente para fins de transparência e evitar abusos; a questão pertinente é: essa prática é boa ou não para as pessoas, para a sociedade?
Se a eutanasia for legalizada qualquer pessoa, que num momento de depressão ou fraqueza pede a eutanásia, será assassinada, a não ser que seja eutanasiada sem sua vontade no seu sono.
Eu pessoalmente não quero ser eutanasiado, mas não posso jurar que nunca pedirei ser eutanasiado. Por isso, em fim de vida, quero ser hospitalizado num lugar onde a eutanásia não é praticada, mas que tudo será feito para aliviar meu sofrimento.
A Comissão oficial na Bélgica, no decorrer dos anos, passou a validar casos de eutanásia que não são conformes a lei de 2002. É verdade que a Comissão é composta por membros que na sua maioria são a favor de uma extensão da lei. Até hoje, nenhum médico foi processado, sobre um total global de mais de 20 000 eutanásias desde 2002.
No projeto do PAN, não está claro se eles são a favor de um direito à eutanásia ou sua despenalização. No seu projeto dizem que o Estado não pode impor uma visão do mundo. Contudo, é isso que acontece, desde que haja uma maioria que o decide. A Declaração Universal dos Direitos dos Homens “impõe” uma certa visão do mundo, inclusive o direito à vida, isto para evitar que os horrores da segunda guerra se repitam. Naturalmente, conforme essa declaração, cada um pode ter crenças religiosas ou ateias etc. em toda liberdade. Mas, o Estado tem o direito de proteger os mais fracos, como os doentes em fim de vida, inclusive contra eles mesmos, se num momento de fraqueza eles pedem de morrer (o que significa na quase totalidade dos casos, de um pedido de ajuda).
Suponhamos que uma pessoa mutila-se gravemente com repetição, será que o faz livremente? Não seria dever e papel do Estado organizar o tratamento de uma pessoa que sofre provavelmente de problemas psiquiátricos?
A tática dos defensores da eutanásia é de apagar distinções fundamentais, mudar o sentido das palavras, introduzir confusões para tornar a eutanásia aceitável nas mentes dos cidadãos (que votam). Por exemplo, fazer acreditar que a eutanásia não é um homicídio, porque a motivação é suprimir o sofrimento; que não tem distinção nítida entre administrar uma dose de morfina para aliviar a dor e uma eutanásia, porque a morfina encurta a vida etc. Administrar uma dose de morfina forte que com certeza provocará a morte a curto prazo é certamente um homicídio; ao contrário, injetar uma dose controlada para aliviar a dor (sem provocar a morte a curto prazo) não é uma eutanásia.
Outro exemplo, é defender que o direito a vida não é absoluto porque se pode matar em caso de legitima defesa (projeto PAN). Claro, o direito de matar não é absoluto, se por absoluto se entende que se deve respeitar, proteger, manter a vida a todo o custo em todas as circunstâncias (o que justificaria a obstinação terapêutica). Mas, a legítima defesa é fundada sobre o seu próprio direito a vida e o direito de o defender contra agressões exteriores, sem a intenção de matar o agressor mas evita-lo, se for possível, mas sem ser prosseguido por lei se a morte do agressor acontecer.
O projeto do BE é muito restritivo, mas difícil de organizar em prática. Dificilmente garante as verificações previstas. Mas isso pouco importa; querem tranquilizar quem hesita em votar a lei e aliviar as consciências dos oponentes. O importante, de novo, é que o principio do acesso a eutanásia seja votado."
Excerto de entrevista a STOPeutanasia.pt

Sem comentários:

Enviar um comentário