Voltou à discussão parlamentar o tema da eutanásia. É certo que não estamos, como País, como em 2018, e o regresso deste assunto à ordem do dia exigiu-me por isso uma reflexão. No inicio da pandemia que atravessamos, o nosso Primeiro- Ministro, António Costa, afirmou entre outras coisas, o seguinte:
A adopção de medidas para evitar o contágio são uma clara demonstração de elevada consideração de cada pessoa consigo própria e, mais ainda, com o outro. Quase que se poderia dizer hoje que manter dois metros de distância de outra pessoa é um acto de amor.
Creio, por isto, que tem havido um reforço generalizado do sentido de comunidade entre os cidadãos. Como sociedade, a atenção aos mais vulneráveis não começou nem se limita à pandemia, e por isso parece-me que se mantém a obrigação de todos (responsáveis políticos incluídos) nos preocuparmos com todos, especialmente com os mais fragilizados e que não se podem valer a si próprios. A medida do que cada um de nós faz depende das circunstâncias em que se encontra, mas o princípio de sensatez geral de “nos preocuparmos com todos” não enfraquece por isso. Dito isto, penso que nós “todos” que temos o dever de nos preocupar estão incluídas as pessoas com “lesão definitiva ou doença incurável, em sofrimento duradouro e ‘insuportável’”. Conviver com o próprio sofrimento e com o do outro não é necessariamente fácil, mas isso não dispensa os profissionais de saúde, os cuidadores e responsáveis superiores pelos cuidados de saúde de se esforçarem por pôr em prática os meios proporcionados e ao seu alcance com vista a diminuir esse sofrimento (físico, psíquico, existencial, etc). São instrumentos muitas vezes dispendiosos, e que incluem, não apenas meios técnicos e medicamentos, mas também um número e uma ampla diversidade de profissionais. Se não houve dúvidas sobre o sentido dos esforços a levar a cabo no âmbito da pandemia, parece prudente que o rumo a seguir noutras áreas da saúde seja idêntico. Seria, por isso, um contra senso empenharmo-nos na protecção e no cuidado aos outros na sequência da Covid-19, e que simultaneamente se proceda de forma contrária no que outras situações clínicas muito graves diz respeito.
Herbert Hendin, investigador e médico americano reconhecido como uma autoridade em suicídologia, além de constatar a existência da “rampa deslizante” que outros negam, curiosamente também afirmou no epílogo do seu livro Seduced by Death: Doctors, Patients, And Assisted Suicide que "onde a legalização da eutanásia teve lugar houve desinvestimento nos cuidados paliativos".
Escolher se queremos ou não investir esforços e meios financeiros para minorar o sofrimento actuando sobre as suas raízes (função dos médicos e demais profissionais de saúde) é uma escolha civilizacional da nossa sociedade. No fundo, é o que se tem feito sobretudo ultimamente: tentar que haja o mínimo de contágios e de mortes ligadas à Covid-19. Destas reflexões, só consigo concluir que atacar o sofrimento pelas suas várias raízes – para proporcionar uma melhor qualidade de vida àquele que sofre – é o único caminho digno da pessoa.