O filósofo belga Michel Ghins, estuda o pensamento do ser humano, explica ao stopeutanasia.pt quais as repercussões que pode ter uma lei como a eutanásia na sociedade em geral, para as famílias e para as gerações vindouras.
"Uma lei que dê acesso à eutanásia pode ter duas formas: ou, seja por um lado dá o direito a eutanásia (como no Québec), por outro lado, pode despenalizar a eutanásia em certas condições (como na Bélgica e na Holanda). No caso de um direito, o Estado tem a obrigação de tomar providências para que este direito seja respeitado. No caso da despenalização, o acesso à eutanásia é possível desde que um médico aceite o pedido de eutanásia. A liberdade de consciência de um médico é mais garantida no segundo caso. No primeiro caso, tem um risco maior de pressão sobre médicos, porque a existência de um direito acarreta uma obrigação.
Na Bélgica, a eutanásia é despenalizada, como se sabe. Porém, a mentalidade da população evoluiu muito rapidamente em 16 anos, e muitos consideram de fato a eutanásia como um direito. Todos acreditam que todos tem o direito de morrer com dignidade, o que é perfeitamente defensável. Mas esse direito a uma morte digna confunde-se hoje com o direito a ser eutanasiado, porque morrer em sofrimento é considerado como uma morte indigna. Esta confusão é conscientemente promovida pelos movimentos pro-eutanásia como a Association du droit de mourir dans la dignité (ADMD). Cada vez mais pressões são exercidas pelo paciente, e sua família para que médicos e até enfermeiros e enfermeiras (embora seja proibido por lei) realizem eutanásias, apesar dos progressos da medicina no tratamento das dores físicas e psíquicas: pouquíssimas dores não podem ser aliviadas. O ultimo recurso é a sedação paliativa (reversível ou não) que não pode ser confundida com uma eutanásia que é um ato ativo ou passivo que causa a morte do paciente, com a intenção de pôr fim a vida do mesmo.
A eutanásia é sempre um homicídio. Mesmo que a motivação seja aliviar a dor, o ato objetivo é de injetar um produto que provocará a morte a curto prazo. Isto não pode ser considerado como o “último” cuidado paliativo, como muitos o pretendem agora na Bélgica. Isto muda completamente o relacionamento do médico com o paciente. O médico torna-se alguém que pode também provocar a morte, até (como está acontecendo cada vez com mais frequência), sem o pedido do paciente, tipicamente sob a pressão da família. Mais ou menos 1000 eutanásias involuntárias (sem pedido do paciente) acontecem cada ano na Bélgica. Um médico pro-eutanásia e professor na Universidade de Gent, Marc Cosyns, declarou recentemente que fazem-se cerca de 1000 eutanásias involuntárias por ano na Bélgica. Pessoas doentes entram em alguns hospitais com medo de serem eutanasiadas contra sua vontade.
Uma vez que uma pessoa pode pedir e obter uma eutanásia sem consultar ninguém da sua família, isso tem criado grandes tristezas e tensões em certas famílias.
Na Bélgica a lei foi aprovada há 16 anos. Afinal que tipo de mudança no pensamento se deu na sociedade, ou nas pessoas em geral com a aprovação da eutanásia? Será que o povo belga tornou-se diferente por causa dessa aprovação? Houve alteração nos valores e atitudes em geral?
Michel Ghins considera que sim, houve mudanças no papel do médico, o relacionamento com a morte alterou-se profundamente e também com uma rapidez surpreendente. A eutanásia aparece como a solução mais humana para muitos em casos de sofrimentos importantes. Na Bélgica, não é necessário estar em fim de vida para ter acesso à eutanásia. Os sofrimentos psicológicos também podem ser levados em conta. E o paciente tem sempre o direito de recusar tratamentos apropriados que poderiam melhorar seu estado e aliviar os sofrimentos. Se a liberdade individual é o valor supremo, e se cada indivíduo está em posição de avaliar por si mesmo o caráter insuportável do seu sofrimento, estamos pouco a pouco a caminhar em direcção à eutanásia a pedido. Se a liberdade individual é o valor que tem precedência sobre todos os outros valores, é natural que a sociedade evolua nesta direção.
Para muitos, a vida por si mesma deixou de ter valor. O que tem valor, é uma vida agradável, rica de experiências interessantes, isenta de sofrimentos, afetivamente satisfatória. O que se chama de qualidade de vida. Esse tipo de valor é veículado pela publicidade e o capitalismo liberal. O que conta é o prazer, e o prazer é antes de mais nada evitar frustrações, satisfazer seus desejos e portanto consumir. Este tipo de mentalidade é em harmonia com a perseguição do lucro. Para simplificar, quem tem uma vida sóbria consome menos. O que importa é a qualidade de vida, sendo a qualidade formatada pelos interesses do grande capital que incentiva à geração de lucros através de todo tipo de consumo."
*Michel Ghins, é Professor de Filosofia na Université de Louvain