Há onze anos decidi alterar o rumo à minha vida profissional, não foi uma mudança radical, mas implicou a mudança de estabelecimento escolar. Deixei de estar num sistema “convencional” e passei a lecionar numa escola inserida num contexto hospitalar.
Os primeiros quinze dias foram muito duros. Todos os dias chorei, pensei que aquele tinha sido o maior erro e que não iria aguentar a pressão. Sempre o medo instalado de não conseguir obedecer ao currículo imposto pela tutela. O medo de não cumprir a planificação e acima de tudo não conseguir atingir objetivos. O problema é que a população discente não me permitia seguir esta formalidade. Não me permitia alcançar resultados mensuráveis. O tempo passou, cresci, amadureci, adaptei-me a uma realidade dura e que se vislumbrava e vislumbra diferente dia após dia.
Desde que sou gente que sonhei ser Professora. Permitam-me que utilize o “P” maiúsculo. Só quem sente esta profissão sabe que um professor só é Professor se o for com “P” maiúsculo. Eu quero ser Professora! Tenho em mim que me esforço por assim ser. Professora!
Sou humana, falho. Há dias em que vou trabalhar cansada, sem vontade e que me apetece tudo menos entrar naquele velho edifício, obsoleto e fétido. Normalmente nunca vou no elevador, opto por subir as escadas, mas também há alturas em que as pernas pesam e apetece-me fugir. Nunca sei o que me espera… Aprendi: “Um dia de cada vez”, a vida ensinou-me que é assim. É assim na minha vida profissional e pessoal. Continuando, subo as escadas e tiro a chave para abrir a porta. Entro na sala. É assim há onze anos. A sala cheira a escola. Como adoro o cheiro da escola. A escola para ser escola, tem de ter alunos! Uma escola em período de férias letivas não tem cheiro, não tem alegria. Faltam os seus protagonistas. Faltam as crianças, faltam aqueles olhos brilhantes e ávidos por aprenderem.
A minha escola é diferente. Uma única sala. Tudo muda quando entro na sala, tudo muda quando vou às enfermarias e contacto com as crianças. Tudo muda quando elas não podem vir à sala (escola) e sou eu que vou às enfermarias onde elas se encontram em isolamento, confinadas a um quarto e a uma cama. Tudo muda quando procuro dar um novo sentido aos que, embora crianças, a vida se lembrou de lhes pregar uma partida! Pregou uma partida a eles e às famílias que tantas vezes se encontram perdidas à procura da normalidade que lhes fugiu sem darem por isso. Tudo muda. O meu cansaço vai embora, as pernas ficam leves, já não me apetece fugir. Sei que tenho de estar ali! Sei que aquela foi a minha escolha e que a minha escolha foi acertada. Sei que os meus alunos dificilmente me vão permitir cumprir as planificações, alcançar objetivos. Mas sei que os meus alunos me permitem ser Professora e ser Professora no hospital significa ensinar e aprender. Diria que aprender mais do que ensinar. Aprender a amar, aprender a rir, aprender a chorar, aprender a ser mais Pessoa. Aprender a ser mais Professora.
Vivi nos últimos 4 meses momentos únicos. Acredito que ensinei, mas também aprendi. Acredito que não atingi objectivos mensuráveis, mas não estou preocupada com isso.
Acredito que cresci, acredito que a esperança aquece a alma e o coração. Acredito que a vida é muito injusta. Acredito que ao mesmo tempo que ensino Português, Matemática… também posso pegar no garfo e ajudar a comer! Aprendi, mais uma vez, que as crianças são aqueles que mais nos ensinam.
Finalmente, aprendi que o melhor de ser Professora é sentir uns braços magros, num corpo frágil, marcado pela doença, que me enlaçam e me enchem de carinho. Aprendi que mesmo no meio do sofrimento há sempre espaço para a ternura, para o amor! No meio do sofrimento há quem tenha força para chorar e dizer: “Professora, vou ter muitas saudades tuas! Professora como vou ficar sem ti?” Sou uma privilegiada. Agradeço a Deus a oportunidade que me dá todos os dias. Ser Professora. Obrigada.
Isabel Almeida, Professora no Hospital de Estefânia
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