Que sociedade queremos ou
desejamos?
"Na Antiguidade clássica,
nos lugares mais civilizados, a vida humana não tinha valor. Em
Roma, só alguns homens tinham
direitos, nem a mulher, nem os escravos eram considerados pessoas com direitos. O homicídio era uma prática comum: o pai podia
mandar matar o próprio filho. Na Grécia, um bebé
recém-nascido, com deficiência não recebia assistência até morrer; assim como os mais idosos. Quando nos vêm dizer que
defender a eutanásia é uma questão progressista isso é falso. A ideia de que cada ser
humano foi criado à imagem e semelhança de Deus, é uma verdade
que fundou a Europa e a
democracia. Isto é, diante da lei todos temos igual valor. Mas afinal qual é o
limite da democracia? E o limite dos
meus direitos, começando pelo direito à vida? E não é só o
direito a não ser morto. O Estado social é um
estado que apoia os mais frágeis, por isso todos temos que cuidar uns
dos outros.
Porque consideram que a eutanásia
é um debate civilizacional? Diante de alguém que pede para ser
morto, o Estado diz: "sim, eu mato."
E a seguir aparecem alguns médicos que assassinam o doente. Ou se, em vez disso, diante de uma pessoa que quer morrer dermos uma
resposta solidária? O drama de muitos
familiares é conviverem com a doença de um ente querido, e sentem- se sozinhos, sem apoios sociais ou de cuidados paliativos, é
um peso enorme e dramático.
Quando se defende a eutanásia, diz-se que a tua vida não me interessa. Quem é contra
a eutanásia, e pela defesa vida, aproxima-se do doente e não pede a sua morte. Mas para a lógica dos políticos uma
pessoa em fim de vida não dá votos!
Por um lado, o Estado
defende-nos, obriga-nos a usar um
capacete, ou um cinto de segurança, para protegermos a vida, aplicando uma multa se não cumprimos, mas por outro lado aceita a eutanásia: surge aqui uma grande contradição. A própria lei,
atualmente, já toma decisões para proteger a nossa vida. Na Constituição Portuguesa a vida humana é um direito inviolável, é por isso, um direito fundamental, ninguém pode ser dispor da minha vida. É preciso desmontar a teoria da
liberdade individual e o conceito de autonomia. O ante projeto do Bloco de Esquerda diz que para ser morto, são precisos três médicos, e
se um deles não quiser, não matam o doente. Afinal onde está a autonomia? Sabemos que os médicos e
enfermeiros podem ser pressionados. A eutanásia é um debate
sobre que sociedade queremos? Uma sociedade onde a vida humana é relativa, em que os
Estado diz quem deve ou não viver? Ou queremos continuar aprofundar este movimento de 2 000 anos, em
que cada vida conta e tem importância, e usarmos todos os recursos para aliviar e não
matar?
Vale a pena fazer um Referendo sobre a eutanásia? O que está a
ser discutido é uma exceção de não penalizar o médico, mas na verdade o que está em causa é o
homicídio de vidas humanas."
José Maria Seabra Duque, jurista, discurso na Sessão sobre Eutanásia na Paróquia de Nossa Senhora do Amparo, Benfica, no dia 28/03/017