Professor Michel Ghins- Université de Louvaine |
Existe um consenso na sociedade sobre a necessidade de combater a dor física e psíquica, bem como todo tipo de sofrimento excessivo. Quem se opõe a legalização da eutanásia, ou seja o ato de provocar intencionalmente a morte de uma pessoa para aliviar seu sofrimento, também está a favor da luta contra o sofrimento, especialmente para os pacientes em fim de vida, por meio das cuidados paliativos que melhoram significativamente a qualidade de vida. A experiência testemunha que a aplicação adequada por pessoal qualificado de cuidados paliativos de qualidade permitem eliminar quase todas as dores físicas e os sofrimentos psicológicos decorrendo desta dor física, não somente para o doente mas também para sua família, e elimina a quase totalidade dos pedidos de eutanásia. Quando independentes de uma afecção patológica ou acidental, as dores psíquicas necessitam de tratamentos psicológicos ou psiquiátricos adequados. Além disso, todos se opõem ao encarniçamento terapêutico, as curas excessivas que trazem mais inconvenientes do que benefícios para o doente. Como está esclarecido na “exposição de motivos”, o projeto de lei do partido socialista baseia-se principalmente sobre o princípio da autonomia das pessoas, ou seja o direito de cada pessoa individual de tomar decisões que dizem respeito a si próprio, desde de que não prejudiquem a terceiros. Este princípio decorre do princípio de dignidade da pessoa: cada ser humano tem um valor intrínseco, uma dignidade inalienável, independente de seu estado de handicap, doença, estado físico ou psíquico. Mas esta dignidade que não pode ser-lhe retirada por razão nenhuma, implica também o direito a vida, como consta da Declaração universal dos direitos dos homens de 1948. O direito a vida implica a obrigação da parte de terceiros e do Estado de proteger a vida de qualquer indivíduo. Dado que a eutanásia é sempre um homicídio intencional e premeditado, a eutanásia entra em conflito com o principio do respeito a vida e a interdição de matar.
Portanto, estamos confrontados com um conflito de valores. De um lado, tem o direito de uma pessoa individual de decidir, em plena consciência, o que ela considera como um bem para ela, desde de que não tenha consquências negativas para terceiros. De outro lado, existe o direito a vida que proíbe o homicídio premeditado. Ambos valores decorrem da dignidade humana. Despenalizar ou legalizar a eutanásia consiste em introduzir na lei uma exceção ao direito de viver e à interdição de matar em certas condições definidas. Nessas condições o homicídio premeditado não seria mais legalmente punível. No caso do suicídio assistido, a colaboração com um homicídio (o homicídio de si próprio por si próprio) não seria mais punível nas mesmas condições. Em outras palavras, em condições definidas, a legalização da eutanásia consagra a primazia do princípio de autonomia individual sobre o princípio da interdição de matar. (a continuar)
Professor de Filosofia na Université de Louvaine
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