quinta-feira, 23 de maio de 2019

Vincent Lambert: um caso que serve de alerta para a necessidade de haver um testamento vital

O caso de Vincent Lambert levanta uma questão de fundo:
Foto: Euronews
quem pode, afinal, decidir pôr ou não fim à vida de uma pessoa em estado vegetativo persistente quando esta não deixou expressa a sua vontade por escrito? A resposta não é linear. Em Portugal, também há casos de doentes neste estado que ficam internados em hospitais públicos e em unidades privadas. Mas não há notícia de situações em que tenha havido conflitos sobre a decisão de suspender ou não o suporte artificial de vida e a necessidade de recurso a tribunais.
Uma coisa é certa: este caso que está a alimentar em França o debate sobre a morte digna deveria servir como chamada de atenção para a necessidade de ser feito um “testamento vital” (directivas antecipadas de vontade num registo que desde há anos existe para este efeito em Portugal), especificando quais são os cuidados de saúde a que querem ou não ser submetidos, defendem vários especialistas ouvidos pelo Público.
Actualmente há “cerca de 24 mil” testamentos vitais em Portugal, onde “por via de regra não se decide retirar a alimentação e hidratação artificiais a doentes neste tipo de situação, mas não se tratará agressivamente qualquer doença superveniente, como uma pneumonia, e o doente acaba por morrer”, explica o professor de Bioética da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Rui Nunes. No estado vegetativo persistente, “o tronco cerebral está íntegro, mas o córtex está suficientemente destruído para não haver vida cognitiva”, descreve. 
Quem decide, então, se se prolonga ou não a vida? “Em última análise são os médicos, mas, se houver um desentendimento familiar, o caso teria em teoria que ser apreciado por um tribunal”, responde.
São casos que também acontecem com relativa frequência em Portugal, “basta entrar numa enfermaria de neurologia de um hospital”, diz. Aliás, já em 2005 o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) foi chamado a pronunciar-se sobre o que fazer neste tipo de situação, a pedido de um hospital público de Lisboa.
“O que os médicos devem fazer é tentar reconstruir a vontade dos doentes junto dos familiares e amigos íntimos”, sustenta Miguel Oliveira e Silva, ex-presidente do CNECV. Quando não há directivas antecipadas de vontade nem consenso entre os familiares, “pede-se à comissão de ética do hospital que se pronuncie”, afirma. De resto, acrescenta, “se se tratar de estado vegetativo persistente sem qualquer hipótese de recuperação, concordo com a decisão [da equipa médica que acompanha Vincent Lambert] de avançar com sedação progressiva”.
“Não há uma solução perfeita. Francamente, o que espero é que este tipo de casos sejam tratados no recanto de um hospital”, confessa Ana Sofia Carvalho, professora do Instituto de Bioética da Universidade Católica do Porto, que lembra que estes são “casos muito complicados e difíceis de julgar”. No estado vegetativo persistente, mesmo depois de se retirar o suporte ventilatório, o doente pode sobreviver, a possibilidade de recuperação é muitíssimo pequena, mas estes doentes não estão em estado terminal, lembra. 
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