A lei belga não exige que a pessoa esteja em fase terminal de uma doença grave e incurável, objetivamente avaliada pelo corpo médico. Para os médicos envolvidos e para a Commission nationale de contrôle, a perceção subjetiva do sofrimento passa progressivamente a ser o único critério a ter em conta. O que abre a porta a interpretações cada vez mais amplas e a abusos chocantes, em nome do respeito pela autonomia individual. Aqui estão alguns exemplos de mortes recentes que podemos qualificar de «suicídios assistidos». Eles são atualmente aceites sem dificuldade pela Commission de contrôle, apesar de terem estado fora dos debates na origem da Lei de 2002 :
Eddy e Marc Verbessem, dois irmãos gémeos de 45 anos, nascidos surdos e sofrendo de glaucoma que os iria tornar progressivamente cegos, foram eutanasiados a 14 de Dezembro de 2012: o medo de não se poderem ver nunca mais, foi considerado como um «sofrimento psíquico insuportável», legitimando segundo o seu médico, o acesso à eutanásia legal.
Ann G., de 44 anos, que sofria de anorexia há vários anos e abusada sexualmente pelo seu psiquiatra, foi eutanasiada no final de 2012: ela dizia «ter um cancro na cabeça», que lhe causava um sofrimento julgado suficiente para entrar no âmbito da legislação sobre a eutanásia.
• Um prisioneiro, condenado a uma pena severa e muito doente, foi eutanasiado, em Setembro de 2012. É a primeira eutanásia de um prisioneiro na Bélgica. Uma dezena de outros prisioneiros também teria expressado depois o mesmo pedido. Durante o processo «Van Den Bleekenn» em 2014, (cf §V-2, aqui abaixo), onde a eutanásia tinha sido acordada antes de se conseguir outra solução, foi instaurado um debate sobre um retorno à pena de morte voluntária «por motivo humanitário». Uma responsável do IEB alertou nesta altura para «uma derrota gigantesca da psiquiatria belga» e denunciou o sistema prisional belga que se abre à «pena de morte invertida». Christian de Duve, de 95 anos, Prémio Nobel, morreu por eutanásia a 4 de maio de 2013. Os seus próximos explicam que este grande científico se tinha preparado serenamente para este fim depois de uma indisposição no seu domicílio. Ele aproveitou o mês anterior à sua morte para escrever aos seus amigos e antigos colegas, tendo o seu último gesto sido o de conceder uma entrevista que seria publicada a título póstumo num grande jornal diário. A sua morte recorda a do grande escritor belga Hugo Claus, que tinha organizado de forma semelhante a sua eutanásia em março de 2008.
Kevin Chalmet, com cerca de 30 anos, bombeiro, decidiu eutanasiar-se em 2014 para «fazer avançar o debate». Sofrendo de um tumor no cérebro, este belga iria perdendo progressivamente o paladar, o cheiro… O bombeiro prepara então a sua eutanásia com os mínimos detalhes, vai despedir-se dos seus colegas no quartel, escreve cartas sobre as suas reflexões e programa o dia da sua morte «tudo decorrerá em casa e nós vamos primeiro comer um biscoito de manteiga» terá ele referido.
Johnny Vaes, de 59 anos, que sofria de um cancro no pâncreas, programou a sua eutanásia para a sexta-feira, dia 13 maio de 2016, depois de um último adeus às pessoas próximas. Segundo o site Sudinfo.be, este pai de família não tinha nenhuma esperança de cura depois da generalização do seu cancro. Portanto, ele anunciou a sua eutanásia no Facebook e convidou as pessoas próximas para o hospital para um último encontro. «Para o almoço, pedi uma pequena dose batatas fritas com maionese e ketchup. Depois, terei a minha injeção e partirei» afirmou o doente.
Estes testemunhos, muito mediatizados pela imprensa, demonstram uma banalização crescente da eutanásia, e, mais recentemente, uma encenação e uma teatralização da morte.
Um excerto do artigo "Balanço de 15 anos de legalização da eutanásia na Bélgica", por Carine Brouchier, Administradora do Institute European de Bioethique.
Sem comentários:
Enviar um comentário