Não será bastante incoerente a posição que – no primeiro dos doze colóquios programados sobre a eutanásia – foi expressa por um dos oradores, quando afirmou que, embora tendo assinado o documento a favor da eutanásia, ele próprio faria sempre objecção de consciência e nunca a praticaria? Quando se recusa praticar um acto médico em virtude de uma objecção de consciência, qual será o sentido de considerar o mesmo acto como moralmente bom para outros? Será a objecção de consciência em geral apenas uma iniciativa de conveniência pessoal ou uma tomada de posição sobre a dimensão ética do acto? Neste último caso e fora da situação de conveniência pessoal, se alguém se recusa a praticar um acto que julga moralmente repreensível, mas considera que outros o podem fazer, qual será o sentido desta posição? Será que este mal é avaliado como não constituindo para a sociedade um mal tão grave que justifique uma proibição política? Contudo, no caso da eutanásia, é difícil, para quem toma a iniciativa de dar a morte, considerar que se trata de um acto finalmente inócuo ou sem graves consequências! Também a esse respeito as opiniões divergem, embora se possa afirmar que, de todo o modo, está errado colocar a prática da eutanásia na categoria de prestação de cuidado.
Abordemos brevemente a eutanásia administrada por compaixão, a título de ajuda ao doente terminal. A questão central a esse respeito constitui o pomo da discórdia entre adversários e partidários da eutanásia. Tudo acaba por repousar numa determinada compreensão da dignidade humana. Para os primeiros, os adversários, a dignidade humana é ontológica, isto é, nunca um ser humano pode perder a sua dignidade, porque esta lhe é intrínseca, qualquer que seja a situação concreta de diminuição física ou mental na qual se encontra. O ser humano nunca perde a sua dignidade enquanto membro da espécie humana. Esta tese está na base da toda a civilização na qual vivemos. Para os segundos, os proponentes, a dignidade humana é um dado que se pode chamar fenomenológico, isto é, que depende também fortemente das situações concretas nas quais alguém se encontra e que se avaliam pelo critério de sofrimento físico ou psicológico, assim como pelo grau de dependência física, mental, etc. Segue-se que, para esta corrente, é legítimo afirmar que, no fim da sua vida ou mesmo no decurso dela, uma pessoa pode ficar com uma vida sem nenhuma dignidade. Deste modo, a grande questão do debate sobre a eutanásia reside na oposição entre duas maneiras de entender a dignidade humana, aparentemente incompatíveis. É possível, assim, que o diálogo entre as duas posições se transforme num diálogo de surdos.
Contudo, a questão subjacente não pode ser escondida: a partir do momento uma situação existencial ou um determinado comportamento deve ser considerado como acarretando uma perda de dignidade justificando a prática de eutanásia? Tal como já foi referido acima nas questões prévias, o deslize não é irreal, no sentido em que, ao ser aceite, a eutanásia abre a porta a actos de eutanásia cada vez mais afastados da doença terminal: eutanásia por motivos psiquiátricos, por motivos de sofrimento psicológico, entre outros casos. O que se considera aqui como deslize aparece e aparecerá de facto como justificado, do ponto de vista da compreensão da dignidade humana entendida como gradual e sujeita à análise de circunstâncias da existência julgadas degradantes.
Acrescenta-se agora uma questão pertinente nesta perspectiva: não será também justificável a prática da eutanásia a vidas consideradas como moralmente desprovidas de dignidade em função da realização de actos particularmente nefastos? Ora, foi precisamente essa a justificação subjacente à pena de morte, nomeadamente a aceitação do carácter relativo da dignidade humana: a prática de certos actos considerados como imorais e inaceitáveis aos olhos da lei pode fazer perder a dignidade humana, sem mais nada, e legitima então a pena de morte. Ora, o progresso ético que a abolição da pena de morte instaurou consistiu em reconhecer que nada pode fazer perder a dignidade ontológica do ser humano, nem sequer a indignidade ética dos actos praticados. Com efeito, aquém da dignidade da vida moral está a dignidade de cada ser humano considerado como membro da grande família humana.
Excerto do artigo " Acerca da Eutanásia e a Dignidade Humana", de Michel Renaud* faz parte do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.
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