"Estou aqui como Psicóloga, mas sobretudo como cidadã que se preocupa com os perigos associados à legalização da Eutanásia.
E também porque me identifico com este Movimento Cívico – o Stop Eutanásia, que procurar informar os cidadãos sobre os problemas da Eutanásia e também dar voz a temas estruturantes como os Cuidados Paliativos e a importância do acompanhamento digno das pessoas (e das suas famílias) em situação de doença grave ou incurável. Irei falar-vos de alguns aspetos, ilustrando com dados científicos concretos. Em primeiro lugar ilustrar que os cuidados psicológicos são essenciais em pessoas com doença grave ou incurável.
Por exemplo, um estudo publicado no New England Journal of Medicine (Temel et al., 2010), permitiu comprovar que pessoas recém diagnosticadas com cancro metastático do pulmão, em estádio avançado, e que recebem cuidados paliativos integrando cuidados psicológicos, imediatamente após o diagnóstico, apresentaram uma qualidade de vida mais elevada, um estado emocional mais positivo (humor menos deprimido) e também um tempo de sobrevivência médio mais longo em comparação com os doentes que somente receberam os cuidados oncológicos de praxe.
Já na década de 70, a psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross, que fez um trabalho pioneiro com cerca de 500 doentes terminais (Kübler-Ross 1969, 1970), constatou que a maioria dos doentes apreciava a oportunidade de falar abertamente sobre a sua condição de fragilidade e de proximidade da morte.
Um problema central é que o confronto com a perda de capacidades e com a própria morte é muitas vezes uma dificuldade dos próprios doentes e das suas famílias.
O papel dos psicólogos em cuidados paliativos é essencial, não somente para ajudar o processo de luto (lidar com a perda de capacidades, com a dor e sofrimento, e com a certeza da morte) mas também na “integração” da própria história de vida.
No final da vida existem duas situações que são comuns: ou entramos em desespero, porque o tempo não volta para traz; ou integramos e aceitamos o que fizemos na nossa vida. E é neste processo de integração, aceitação e de dar sentido à existência que os psicólogos têm um papel a desempenhar.
Mas em termos psicológicos, o que podemos encontrar numa pessoa com doença grave ou incurável?
É expetável que ocorram sinais e sintomas de depressão, perda de autoestima, sentimentos de desamparo, desesperança ou mesmo pânico.
E será que estas pessoas precisam de cuidados psicológicos ou de ajuda para morrer? Obviamente que abreviar a vida é a solução fácil. Difícil e exigente é cuidar de pessoas em situação de fragilidade.
E quando a saúde mental e o juízo crítico são condicionados, tampouco faz qualquer sentido interromper a vida de uma pessoa que expressa o desejo de morrer.
Importa fazer uma referência às pessoas com perturbação psiquiátrica e que, não raras vezes, manifestam o desejo de morte.
Se a eutanásia for legalizada, os grupos mais vulneráveis, em termos de saúde e de acesso aos cuidados, vão ser os mais penalizados.
E a rampa deslizante da lei começa pela eutanásia ser somente para os doentes em grande sofrimento e doenças degenerativas; a seguir fazem-se exceções para pessoas com necessidades especiais (incluindo até crianças) e pessoas com perturbação psiquiátrica cuja qualidade de vida é percebida por reduzida; até simplesmente pessoas com idade avançada.
Um estudo recente publicado na revista internacional JAMA Psychiatry, que descreve as principais características dos doentes psiquiátricos submetidos à eutanásia ou ao suicídio assistido na Holanda, aponta curiosamente que as mulheres com perturbação depressiva grave têm um maior risco de morte deliberada pela eutanásia ou suicídio assistido.
Neste contexto é importante lembrar que as pessoas com perturbação depressiva grave muitas vezes dizem “a minha vida não faz sentido”. As ideias de ideias de autodesvalorização e autodestruição, geradas por sentimentos de desmerecimento da vida ou de incapacidade para lidar com a dor, são situações comuns nestas pessoas. A eutanásia e o suicídio assistido não são solução, e o alerta é para a necessidade de humanizar o sistema de cuidados de saúde, incluindo a saúde mental. Não pressionemos subtilmente as pessoas, através da lei, a escolher morrer, sendo ainda mais a contenção de custos um fator subjacente.
Uma referência também à eutanásia nos EUA, nomeadamente no estado de Oregon.
É lamentável que a legalização do suicídio assistido, a par do custo proibitivo dos cuidados hospitalares para doentes terminais, esteja a ocasionar o aumento do número de pessoas que decidem morrer em casa, como acontecia antigamente em todo o mundo.
Os cuidados com os doentes terminais devem ser transferidos para profissionais. E a assistência deve ser afetuosa e pessoal, centrada no doente e na sua família, e não somente no alívio da dor física.
Em Portugal, a Ordem dos Psicólogos tem um Grupo de Trabalho em Cuidados Paliativos que contribuiu para a elaboração da atual lei de base dos cuidados paliativos.
Saudamos o reconhecimento do papel dos psicólogos no cuidado aos doentes, familiares e equipas de saúde. No entanto a burocracia associada à referenciação e ao acesso aos cuidados psicológicos nestes doentes sempre é fácil, pois implica uma avaliação e validação por equipas coordenadoras regionais, o que leva a que seja menor e mais tardia a prestação de cuidados psicológicos em doentes no fim da vida.
Gostaríamos por isso de alertar que os cidadãos em situação de sofrimento por doença incurável ou grave continuam a ser referidos demasiado tarde e que o acompanhamento psicológico continua a ser privilégio só para alguns.
Para finalizar algumas palavras sobre a conceção de dignidade. A morte é um capítulo importante e digno do desenvolvimento humano. Morrer faz parte do viver. E a morte é o fim natural da vida. O que não é natural é decidir morrer, ou os outros decidirem o momento da nossa morte.
A dignidade existe até ao fim. Promover a dignidade no fim da vida é aumentar os cuidados - físicos, psicológicos, espirituais - que comprovadamente atenuam a dor e o sofrimento. Não significa oferecer um “falso consolo” da morte como solução. Esperemos que nós Portugueses não caminhemos nessa direção da legalização da eutanásia."
*Inês Saraiva Ferreira é psicóloga clínica pelo ISPA, com DEA em Psicobiologia pela Universidade de Salamanca e doutorada em Avaliação Psicológica pela Universidade de Coimbra. Tem as especialidades de Neuropsicologia e de Psicologia Clínica e da Saúde (Ordem dos Psicólogos Portugueses). É docente universitária e investiga na área da avaliação psicológica.
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