A médica Isabel Galriça Neto*
trabalha em cuidados paliativos há mais de 20 anos, e participa no
debate em Portugal sobre a eutanásia há um ano a esta parte.
“A
eutanásia é errada por princípio e perigosa se algum dia for
aprovada. Este não é um debate confessional ( religioso ou
doutrinal ). Temos de estar atentos, porque também não é uma questão
só política, filosófica ou social, é sobre os valores duma
sociedade que se quer ter para responder às pessoas mais
vulnerareis. Também não é um debate só para ter acesso aos
cuidados paliativos, os quais são cuidados de saúde rigorosos que
se dão a pessoas que estão em grande sofrimento.
Neste debate
há demasiado eufemismo, o que acho interessante, é a colagem a um
determinado tipo de léxico, em que podemos ser todos enganados, a
lógica não é sobre a eutanásia, mas a morte assistida. É
um branqueamento, porque quero morte assistida, mas não eutanásia.
O que queremos é que pessoa tenha cuidados até à morte e isso é
morte digna. Mas os que estão a favor da eutanásia dizem que a
morte quer-se digna pela eutanásia, como se todas as outras mortes
não fossem dignas. Sempre a
questão da dignidade e dos direitos. Uma ilusão sobre a autonomia
e a liberdade. Tenta-se arranjar umas palavras suaves. Mas temos que
ser realistas, clarificar as pessoas e continuar a falar de
eutanásia. A questão do direito à proteção da vida humana não é
um valor confessional, mas um valor civilizacional. Nos direitos
humanos está consagrado o direito à proteção da vida humana. E a
propósito de direitos fala-se da dignidade, autonomia, liberdade,
etc. É preciso desmontar esta ideia. A dignidade é inegociável,
inatacável, porque é inerente ao ser humano. Não há
circunstâncias onde a dignidade está em causa. Então, assim, com
este argumento da dignidade, pode levar a que umas vidas possam
continuar e outras não, porque são descartáveis. A dignidade e
sofrimento, como se o sofrimento pudesse pôr em causa a dignidade.
A obstinação
terapêutica é tão grave como a eutanásia. Se aceitarmos que o
certo é a razão para acabar com a vida de alguém, as razões desse
sofrimento vão-se alargando, e passamos dos casos pontuais para a
realidade como: estou deprimida porque enviuvei, fiquei sem um filho.
Estes casos já acontecem na Holanda !
Ora a minha
liberdade está limitada com a liberdade dos outros. Os partidos
dizem sempre que é só para casos de pessoas em grande sofrimento. É
o que diz a lei sobre eutanásia anunciada pelo PAN. Se olharmos
para aplicação de leis como querem propor o Bloco de Esquerda, vão
muito para alem do que pensamos.
Na Holanda
fazem 17 eutanásia por dia, e não podemos dizer que não é um caso
pontual. São mortas pessoas que não pediram. Há pessoas que estão
a ser mortas em princípio de demências, pessoas em luto, etc.
Mas aquele que está ano nosso lado e que sofre merece uma atenção da parte da
sociedade. Em Portugal 70% dos doentes não tem acesso a cuidados
paliativos. Precisamos de agir enquanto cidadãos e realizar muitos
destes encontros, ter pessoas que digam e afirmem que são contra a
eutanásia. Temos que nos unir do ponto de vista cívico, as pessoas
gostam de participar nestas iniciativas sociais de defesa da vida. Um
aspeto a melhorar é a formação dos jovens médicos em cuidados
paliativos. O referendo não é solução: vamos referendar o direito
a ser morto?"
*Discurso de Isabel Galriça Neto na Sessão de Esclarecimento sobre Eutanásia na Paróquia Nossa Senhora do Amparo, dia 28/03/017
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